Até 10 de Março está patente a exposição de pintura, Estrangeiro em casa, de André Almeida e Souza. Estrangeiro em casa. Título certeiro para uma pintura que procura na investigação doméstica, quase sempre difícil e agreste, uma forma de abrigo. Nesta jornada são dois - e complementares - os territórios escolhidos: a arquitectura selvagem do mar e a imprevisível ondulação da urbe. Em ambos o gesto é essencialmente o mesmo e parece perseguir a vontade de se surpreender e de restituir a quem o pratica a sua inerente estranheza. Numa das séries, embarcações várias, a fazer lembrar no melhor dos sentidos os marítimos e experimentais desenhos de Victor Hugo, e assumindo, tal como estes, mesmo nas hipóteses mais ilustrativas, possibilidades múltiplas (sim, mais uma vez esta pintura é terreno armadilhado para interpretações imediatas). Noutra, pilares, espaços, edificações, entulhos - paisagens povoadas de ruído e melodias pouco óbvias, jazz de formas rasgando um qualquer silêncio original. O título remete para um conto de Sophia de Mello Breyner Andresen, justamente intitulado O Silêncio e convocado por José Tolentino Mendonça no livro Pai-Nosso que Estais na Terra. Nele, uma mulher é surpreendida por um grito - exterior mas também interno - que altera o seu olhar sobre as suas coisas familiares, transformando-as em objectos alheios e irreconhecíveis, e acaba por atravessar o seu lugar como se não o conhecesse. A narrativa comunica bem com esta exposição, onde coexistem apaziguados botes e navios assustados pela gritaria das ondas. E onde, algures, encontramos uma frágil e solitária figura caminhando à porta do caos. Podia ser a mulher do conto de Sophia, forasteira no casulo. E também o artista, na desconfiança da sua oficina, estrangeiro perante o seu próprio trabalho. (Nuno Costa Santos)
Alecrim 50 | Rua do Alecrim, 48-50, 1200-018 Lisboa | Segunda a Sexta das 11h às 19h | Sábado das 11h às 18 | www.alecrim50.pt
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