quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

MUSEU COLECÇÃO BERARDO - Lisboa

Até 25 de Abril está patente a exposição Mappamundi. Um mapa é “uma representação gráfica de parte da superfície terrestre”. Para os historiadores, uma definição igualmente apropriada é que um mapa é uma construção social do mundo expressa através da cartografia. Longe de ser um simples espelho da natureza, do que é verdadeiro ou falso, os mapas reescrevem o mundo. Do outro lado, a criação artística é uma viagem no desconhecido. A arte – como o desenho, a pintura, a cartografia – pretende representar o mundo tridimensional em duas dimensões. A exposição pretende rever a presença permanente da cartografia na arte e pretende mostrar o modo como os artistas de hoje alimentam a sua prática de uma longa história cartográfica, ainda que nem sempre a conheçam. As suas obras evocam, contam uma densidade que é a nossa, quer se trate de colonialismo, de geometria ou de desenvolvimento tecnológico. Poderíamos dizer que cada obra contemporânea entra em diálogo com um mapa ou com mapas anteriores, seja para os completar ou para os contestar. Neste sentido, era inevitável abrir Mappamundi com um frente-a-frente entre a cartografia portuguesa do século xvi e a sua releitura contemporânea. Ao prestar homenagem a Lopo Homem, Adriana Varejão revela a força que surgiu desta confrontação: a delicada oval está lacerada, recosida, ensanguentada. Inúmeras ilhotas vermelho-sangue parecem resultar desta ferida. Outras costuras, menos visíveis, levantam a Ásia ou Novo Mundo, que não pára de deslizar até cercar o mundo inteiro, à maneira dos antigos mappamundi circulares. Tratar-se-á de Lucio Fontana, da ferida de Cristo, da escravatura sobre a qual assenta a nossa riqueza, do fim de um mundo centrado? Cabe a cada um de nós projectar-se e ler esta carta à sua maneira. Uma coisa é certa: a sua força assenta no contraste entre delicadeza e violência, ingenuidade e perfídia histórica. O trabalho de Adriana Varejão não ganha sentido senão na perspectiva da história da cartografia, aqui representada por três momentos, sendo um deles o trabalho fundador de Lopo Homem (Biblioteca Nacional de Portugal).
A modernidade nem sempre está onde a esperamos encontrar. Mais do que nas imagens em 3D da net cartography, mais do que nos contornos rígidos de uma ciência demasiado segura de si própria, ela encontra-se talvez numa releitura do mundo invertido segundo José Monteiro Salazar (portulano da Sociedade de Geografia de Lisboa), ou naquele mapa anónimo, deliciosamente anacrónico, conservado no Instituto Geográfico Português: a página está recortada em cinco mapas encaixados, nos quais o «gran banco do baccalhao» se torna, ao centro, tão presente quanto a terra firme, uma espécie de espelho longínquo de Portugal.
«Idéa geografica confuza das ilhas dos Açores»: Mappamundi não falharia o seu objectivo se conseguisse pôr no mapa algumas «ideias confusas» sobre o mundo, tal como ele está. Serão ainda apresentados na exposição uma selecção de obras dos 43 artistas .
Legenda da Imagem: Adriana Varejão
Museu Colecção Berardo - Arte Moderna e Contemporânea | Praça do Império | Lisboa | Aberto todos os dias da semana: 10h – 19h (última entrada: 18h30) | Horário alargado aos sábados: 10h – 22h (última entrada: 21h30) | Entrada gratuita | www.museuberardo.com

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